De dia dorme, à noite come e canta o fado.
E lá no prédio ouvem cantar
Já desconfiam que eu escondo alguém para não mostrar.
Eu tenho um melro lá no meu quarto
Não anda à solta, porque se ele voa cai sobre os cactos.
Cortei-lhe as asas para não voar
Ele faz das penas lindos poemas para me embalar.
Eu tenho um melro que é um prodígio
Não faz a barba, não faz a cama, descuida o ninho.
Mas canta o fado como ninguém
Até me gabo que tenho um melro que ninguém tem.
Eu tenho um melro
(que é um homem)
Não é um homem
(quem há-de ser)
É das canoras, aves aquela que mais me quer.
(deve ser homem)
Ah pois que não
(então mulher)
Há-de lá ser
é só um melro com quem dá gosto adormecer.
Melro, melro
e nesse caso se alguém te agarrar
diz que não andas sozinho e és esperado noutro lado.
Melro, melrinho e se por acaso alguém te prender
Não cantes mais um fadinho, não me queiras ver sofrer.
E não voltes mais,
que estas janelas não as abro nunca mais.
E não voltes mais
Que a tua gaiola serve a outros animais